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Brasil ainda tem um árduo caminho para trilhar no que diz respeito à segurança digital

Gustavo Monteiro

Há quase duas décadas, o tema segurança digital era encarado como um tópico extremamente de nicho, algo que muitos entendiam estar restrito a empresas que, de alguma forma, já estavam na vanguarda. Ainda que o assunto fosse incipiente, em 2004, a União Europeia decidiu apoiar um evento que tinha como intuito discutir um plano para uma internet mais segura. A aposta foi a semente do que hoje é o Dia da Internet Segura, iniciativa celebrada anualmente no dia 7 de fevereiro.

De lá para cá, o evento tornou-se um movimento e ganhou proporções globais, envolvendo organizações, empresas e sociedade civil de ao menos 180 países, todos mobilizados a discutir caminhos para o aumento da conscientização sobre questões emergentes do universo online, do cyberbullying nas redes sociais à proteção de identidades digitais de qualquer cidadão. 

Antes restrito a alguns núcleos mais técnicos, o tópico tem se transformado em uma pauta quase que onipresente. Afinal, todo mundo conhece alguém que teve sua conta corrente invadida ou cujo nome foi usado para a realização de compras ou solicitação de empréstimos sem o seu consentimento. Não raro, temos visto empresas serem chantageadas por cibercriminosos que invadem seus sistemas e ameaçam expor informações confidenciais ao mercado, exigindo delas resgates exorbitantes. 

Se até pouco tempo atrás o roubo de um celular era uma preocupação comum ao brasileiro das grandes metrópoles apenas pelo valor do aparelho em si, hoje os prejuízos dessa violência podem alcançar cifras dezenas de vezes maior pelo acesso facilitado que os criminosos têm a dados pessoais e aplicativos, bancários inclusive. Golpe da mão fantasma, urubu do PIX, fraude de cartões pelo pagamento por aproximação, enfim, são inúmeras as modalidades e, se podemos dizer que existe uma certeza, é a de que criatividade não é algo que falta aos fraudadores.

Ainda que a aceleração digital e a recorrência de golpes dos últimos anos tenha contribuído para uma crescente tomada de consciência sobre o tema pela população e, ainda, para o aumento da percepção sobre a importância da cibersegurança para os tomadores de decisão dentro das empresas, os dados apontam para um cenário não muito animador. 

De acordo com a The Cyber Defense Index, pesquisa realizada recentemente pelo MIT Technology Review, o Brasil é hoje o terceiro pior país entre as 20 principais economias do mundo no que diz respeito à segurança e ao desenvolvimento do ambiente digital, ficando à frente apenas de Turquia e Indonésia. No outro extremo, estão Austrália, Holanda e Coreia do Sul, países com robustas infraestruturas digitais e políticas de segurança cibernética e de proteção dos dados de seus cidadãos. 

Os entrevistados, C-Levels responsáveis por segurança cibernética em sua maioria, tiveram de avaliar uma série de critérios, entre os quais a eficácia da adoção de políticas públicas e regulamentações voltadas à tecnologia em seu país, suas próprias atividades relativas à cibersegurança, bem como suas prioridades de desenvolvimento de tecnologias com este fim nos próximos anos. 

A fotografia apresentada pelo estudo do MIT reforça o que já havia sido enunciado em julho passado pela 3ª edição da Pesquisa de Cibersegurança da Tempest, realizada pela empresa líder do setor no país, que dá nome ao estudo, em parceria com o Datafolha. Segundo o relatório, quando o assunto é segurança digital, o Brasil ainda é consideravelmente imaturo frente à maior parte dos países desenvolvidos, estando defasado em tópicos como velocidade de migração para novas tecnologias, orçamento e maturidade de gestão dentro das companhias e, ainda, governança. 

É evidente que tivemos avanços, principalmente junto à indústria financeira, significativamente à frente de outros setores, tanto pela maior incidência de ataques hackers sofridos, quanto pela dianteira no que diz respeito à regulamentação.  Porém, ainda que tenhamos algumas conquistas, estamos ainda muito aquém do ideal. Em geral, os times voltados à segurança  e riscos são enxutos e o orçamento é uma das principais barreiras alegadas. 

A pandemia transformou o comportamento dos usuários em todo o mundo e ampliou a utilização de ferramentas digitais. A comodidade oferecida por elas reforça uma tese de que esse é um caminho sem volta.  O usuário quer ter uma boa experiência no que diz respeito à usabilidade das ferramentas digitais, e o grande desafio é assim mantê-las, garantindo ainda a segurança e a proteção de sua identidade digital.

O caminho que temos à nossa frente é longo. Tomar ciência da lacuna que nos distancia de outras grandes economias quando o assunto é segurança digital é fundamental para traçarmos um plano eficiente e avançarmos nessa direção. 

Cibersegurança e prevenção à fraude não devem ser preocupações apenas das grandes corporações. Pelo contrário, devem ser prioridades de governos, de toda empresa que navega no universo digital e, não menos importante, também do cidadão. É urgente a necessidade de se nutrir a cultura de segurança dentro das organizações, em suas mais diversas instâncias. 

Artigo escrito por Gustavo Monteiro, Managing Director do AllowMe, e publicado originalmente no Estadão.

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